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A (des)necessidade de pagamento do ITBI pela anuência nas escrituras públicas e o posicionamento dos

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  • 24 de set. de 2020
  • 18 min de leitura

Rodrigo Reis Cyrino

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo um estudo teórico e prático sobre a possibilidade ou não do recolhimento do imposto de transmissão sobre bem imóvel, também conhecido por ITBI, no ato em que comparece uma das partes para assinar uma escritura pública tão somente na condição de anuente/ciente de uma operação negocial de compra e venda, considerando que este figurou em contrato particular anteriormente firmado, mas que foi rescindido antes mesmo de concretizada a transmissão da propriedade, ocorrendo a venda posterior para terceira pessoa.

Em um primeiro momento será feita uma análise sobre o conceito do ITBI, o fato gerador e sua previsão legal, bem como um estudo sobre o que é anuência no aspecto civil e registral e se há reflexos no campo tributário.

Para tanto, a pesquisa trará uma pesquisa na doutrina, a legislação no Município de Linhares e o posicionamento dos tribunais pátrios acerca do tema.

2. O ITBI, SUA PREVISÃO LEGAL E FUNDAMENTO DA INCIDÊNCIA

Cumpre destacar inicialmente que a Constituição Federal, em seu artigo 156, inciso II, dispõe que compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

II - transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (BRASIL, 1988).

Como objeto deste estudo, o ITBI se traduz em um tributo de competência municipal e, de acordo com o artigo 147 da Constituição Federal de 1988, do Distrito Federal, que incide toda vez que ocorrer uma transmissão onerosa de bens imóveis, de competência dos Municípios. Mas o que pode ser considerada uma transferência de um bem imóvel para efeitos tributários?

Num primeiro momento, importante trazer a distinção entre os direitos reais e os direitos pessoais. Para Silvio Venosa (2013, p. 05):

A ideia básica é que o direito pessoal une dois ou mais sujeitos, enquanto os direitos reais traduzem relação jurídica entre uma coisa, ou conjunto de coisas, e um ou mais sujeitos, pessoas naturais ou jurídicas. O exemplo mais adequado de direito pessoal é a obrigação, e o exemplo compreensível, completo e acabado de direito real é a propriedade. Pelo que se percebe, portanto, o direito real concede o gozo e frui­ção de bens. O direito obrigacional concede um direito a uma ou mais prestações, a serem cumpridas por uma ou mais pessoas. O direito real define inerência ou aderência da coisa ao titular, expressão que serve para caracterizar o que comumente chamamos de soberania, poder ou senhoria sobre a coisa.

Nesse sentido, um contrato particular de compra e venda de um imóvel dá às partes somente um direito pessoal obrigacional, que pode ser desfeito a qualquer tempo, através de um distrato, por exemplo. Portanto, esse contrato particular, puro e simples, não confere um direito real à parte compradora, pois este só ocorrerá se ocorrer uma transmissão do imóvel junto ao registro imobiliário através de um título hábil ou uma escritura pública.

Como o ITBI incide sobre a transmissão de bens imóveis, o que pode ser considerado imóvel para o direito civil e como se opera a sua transmissão?

Para o Código Civil, a transmissão de um imóvel e seus direitos reais só se concretiza a alguém através do registro imobiliário e estabelece que:

Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.

Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:

I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram

Art. 1.225. São direitos reais:

I - a propriedade;

II - a superfície;

III - as servidões;

IV - o usufruto;

V - o uso;

VI - a habitação;

VII - o direito do promitente comprador do imóvel;

VIII - o penhor;

IX - a hipoteca;

X - a anticrese.

XI - a concessão de uso especial para fins de

XII - a concessão de direito real de uso; e

XIII - a laje.

Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel (BRASIL, 2002).

Portanto, cumpre ressaltar que somente há incidência do ITBI nos casos de transmissão da propriedade do imóvel mediante o registro imobiliário, o que não pode ocorrer no negócio jurídico particular de compra e venda, onde tão somente se transmitiu a posse, podendo este último instrumento ser distratado.

Frise-se que alguns Municípios em suas legislações estabelecem a possibilidade da incidência do ITBI com a transmissão entre vivos, a qualquer título, por ato oneroso, da mera posse sobre bens imóveis, mas este não tem sido o entendimento dos tribunais, conforme se verá a seguir.

Para aqueles que defendem incidência de ITBI sobre a transmissão de posse, alegam que a escritura pública celebrada demonstra, de forma clara e pública, a ocorrência do fato gerador de transferência de direitos do imóvel, descrito na forma do Código Tributário, a ensejar a obrigação tributária de recolher os impostos devidos aos cofres do Município, mas a posse não se traduz em um direito real, conforme rol do artigo 1225, do Código Civil.

Nessa toada, como visto, o fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com o registro do título ou uma escritura pública no Cartório de Imóveis (fólio real), momento em que se transfere efetivamente o bem imóvel ao comprador, conforme dispõe o Código Civil de 2002:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel (BRASIL, 2002).

Assim, o direito de propriedade só é constituído de fato com o registro imobiliário, momento em que o Oficial do cartório de imóveis deve analisar se o competente ITBI foi recolhido para proceder ao registro.

É a parêmia tão conhecida que diz “quem não registra não é dono”. De fato, o Código Civil brasileiro dispõe, em seu artigo 1.227, que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por ato entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247)”, o que implica que o portador de um título sem o registro imobiliário permanecerá na condição de mero possuidor.

Ademais, em sua essência, o ITBI incide sobre imóveis situados no município e é cobrado sempre que há transmissão onerosa da propriedade ou domínio útil de bens imóveis, sendo que para a transmissão da propriedade é necessário que o título seja registrado no competente Registro de Imóveis, de acordo com o artigo 1.227, do Código Civil.

No entanto, pode surgir a seguinte dúvida: quando na prática ocorrer uma cessão de direitos com força de transmissão de propriedade. Dentro dessa ótica, o professor de direito tributário, Eduardo Sabbag (2008, p. 381), ensina que:

Será a cessão de direitos fato gerador do ITBI quando possuir o timbre de transmissão de propriedade, com a efetiva traslação jurídica da propriedade do bem. Portanto, há de se frisar que um mero “contrato de gaveta” não tem o condão de ensejar o ITBI, por não materializar o fato gerador do tributo, que somente ocorre com o registro da escritura definitiva, em Cartório. São, portanto, enquadrados como fatos geradores do indigitado gravame aqueles atos que podem levar a pessoa que os recebe à aquisição do imóvel, equivalendo, portanto, à própria transmissão do bem.

Outro fato relevante é que muitos Municípios estabelecem em suas legislações que o ITBI deve ser recolhido no ato da escritura pública e não antes do registro imobiliário. Para Kiyoshi Harada esse fato é plenamente aceitável (2001, p. 333-334):

Embora a transmissão da propriedade só ocorra com o registro do título de transferência, no Registro Imobiliário competente, nada impede de a lei fixar o aspecto temporal do fato gerador desse imposto antes dela, não tendo a meor relevância jurídica eventual vício do título aquisitivo que venha impedir o seu registro, em face do que dispõe o art. 118 do CTN. O que importa é que o bem adquirido integre-se economicamente ao patrimônio do comprador.

Ao contrário, Leandro Paulsen (2018, p. 293), apesar de mencionar a existência de leis municipais antecipando o fato gerador do ITBI, menciona que esse não tem sido o entendimento jurisprudencial:

A transmissão de bens imóveis e de direitos reais a eles relativos dá-se mediante registro do respectivo título (como a escritura de compra e venda) no Cartório de Registro de Imóveis. O art. 1.227 do Código Civil dispõe que “Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro”. O art. 1.245, que cuida especificamente da aquisição da propriedade, dispõe: “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”. De qualquer modo, pode o legislador determinar que o pagamento seja feito já antecipadamente, por ocasião da escritura, como medida de praticabilidade tributária que vise evitar o inadimplemento. Isso porque toda escritura deve ser levada a registro, de modo que se pode presumir a iminência do fato gerador. Mas o STJ já decidiu que “a pretensão de cobrar o ITBI antes do registro imobiliário contraria o Ordenamento Jurídico”.

Ora se a escritura pública ou um contrato particular formalizam uma situação meramente negocial entre as partes não é possível que nesse momento ocorra o fato gerador da incidência do tributo ITBI, que é a transmissão do imóvel, até mesmo porque tal instrumento pode ser distratado, podendo ocorrer duas hipóteses: 1) o vendedor transmite o imóvel a um terceiro que não o comprador originário, com fundamento em um distrato; 2) o comprador originário vende a um terceiro somente por meio de contrato particular, sem realizar a transferência do imóvel no registro imobiliário.

Nessas hipóteses, como fica a tributação? É possível a transmissão do bem diretamente ao terceiro sem o recolhimento de um ITBI?

Apesar de vários posicionamentos em contrário, a presente pesquisa defende a tese da possibilidade de inexigibilidade do recolhimento do tributo com o mero comparecimento do comprador originário na escritura pública ou no contrato de compra e venda na condição de anuente/ciente ou interveniente, a fim de declarar a ciência de toda a operação realizada, pois o imposto só incide se efetivamente ocorrer o registro imobiliário, o que se verá a seguir.

3. O CONCEITO PRÁTICO DE ANUÊNCIA

O termo anuência significa concordância com o que está escrito, bem como a ciência do ato pela parte, sendo muito comum que nas escrituras públicas se colha a assinatura de intervenientes cientes na condição de anuentes do ato, o que evita a alegação de eventuais prejuízos na órbita civil por este.

O termo anuência está previsto no artigo 220, do Código Civil que diz:

Art. 220. A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento (BRASIL, 2002).

A anuência deve ser expressa, por escrito, e apresenta-se como ideal a anuência simultânea à realização do negócio jurídico, manifestada na própria escritura pública.

No entanto, o ato de anuência em uma escritura pública não tem o condão de transmitir a propriedade de um bem imóvel para o anuente, muito pelo contrário, este ato é firmado tão somente para evitar surpresas no campo obrigacional, não operando efeitos no plano dos direitos reais.

Ora, se a anuência não gera efeitos de direitos reais, na transmissão do bem imóvel, não há que se falar em incidência do ITBI pela menção desta no ato notarial, sendo este o posicionamento da jurisprudência pátria, que se analisará a seguir.

4. O NÃO RECOLHIMENTO DO ITBI NA ANUÊNCIA E A IMPOSSIBILIDADE DE IMPUTAÇÃO DE CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL

Assim, não obstante a possibilidade em tese da sonegação do ITBI para esses casos de mera substituição do comprador, a mesma não é automática, pois depende de previsão específica, o que numa análise conceitual percebe-se que a presença da figura do anuente ciente não concretiza o ato de “transmissão de um imóvel”, que é o fato gerador da exação tributária.

Com base nesses fundamentos, é comum na prática do mercado imobiliário que loteadoras, construtoras ou imobiliárias tenham em seus arquivos solicitações reserva de unidade, contratos de promessa de compra e venda e etc., o que não quer dizer que a compra e venda será efetivada com a quitação do preço, o que poderia dar ensejo à cobrança de ITBI através da transferência do imóvel.

Além disso, eventuais contratos particulares de cessão de transferência a novos adquirentes não legitimam qualquer transferência de propriedade ou muito menos a cobrança de ITBI, não havendo que se falar em sonegação fiscal no caso.

Por último, cumpre frisar que a fiscalização tributária dos Municípios só tem possibilidade de procederem à avaliação dos imóveis objetos de transferência, para fins de recolhimento do competente ITBI, se a transmissão efetivamente for ocorrer, o que permitirá a cobrança.

Dessa forma, instrumentos ou declarações que retratem meros direitos obrigacionais não autorizam o pagamento do ITBI sobre o negócio jurídico, assim como ocorre no ato denominado como anuência. Isto porque não há hipótese de incidência do tributo para o caso.

O Código Tributário Nacional regulamenta o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos (ITBI) em seu artigo 35, delimitando, também, sua hipótese de incidência e seu fato gerador:

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens

imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.

Neste aspecto o CTN delimita o fato gerador do tributo como sendo a transmissão da propriedade, o que se dará de acordo com a lei civil, que estabelece em seu artigo 1.245 do Código Civil:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título

translativo no Registro de Imóveis.

§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser

havido como dono do imóvel.

Portanto, a lei civil prescreve que a transmissão da propriedade imóvel somente será transmitida mediante o registro do título no Cartório de Registro Geral de Imóveis RGI e, ato contínuo, reafirma que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

Em assim sendo, se não há transmissão da propriedade, como pode haver o fato gerador do tributo? E não havendo o fato gerador da obrigação tributária na anuência, não há que se falar em crime contra a ordem tributária.

5. A (DES)NECESSIDADE DE PAGAMENTO DO ITBI PELA ANUÊNCIA E O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS

O entendimento atual dos tribunais pátrios é que o ITBI só incide no momento da transmissão do imóvel, o que se dá com o registro imobiliário, o que afasta a possibilidade da cobrança da exação no ato da anuência, pois este é só um ato de natureza obrigacional.

5.1. O POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Semelhante é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2016), no sentido de que o fato gerador do ITBI é tão somente o momento do registro imobiliário. Neste sentido, tem sido as decisões daquela corte de justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS - ITBI. FATO GERADOR. REGISTRO DA ALTERAÇÃO CONTRATUAL PERANTE A JUNTA COMERCIAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO. PRECEDENTES. 1. "O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade da Lei Civil, com o registro no cartório imobiliário" (RMS 10.650/DF, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 4/9/00). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.

Com base neste entendimento o Exmo. Sr. Min. Herman Benjamin (BRASIL, 2016) transcreveu em seu voto o mesmo entendimento:

TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR. OCORRÊNCIA. REGISTRO DE TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL. 1. O fato gerador do imposto de transmissão é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante registro do negócio jurídico no ofício competente. 2. Agravo Regimental não provido.

Portanto, resta cristalino que o ITBI tem como fato gerador o registro do título translativo no serviço registral imobiliário, nos temos do artigo 35, I do CTN c/c artigo 1.245 do Código Civil. No caso em estudo, não havendo a formalização da transmissão da propriedade pelo registro no ato de anuência, não há que se falar em fato gerador do tributo.

Assim, o fato gerador do ITBI é a transmissão da propriedade imóvel, que no direito civil pátrio (arts. 530 e 531do Código Civil de 1916 e 1.245 do Código Civil de 2002), se dá somente com a transcrição no registro imobiliário dos títulos translativos da propriedade, como a escritura definitiva de compra e venda.

5.2. O POSICIONAMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (BRASIL, 2018) já decidiu casos semelhantes onde entendeu pela impossibilidade do recolhimento do ITBI nos instrumentos ou atos jurídicos que não possibilitam a transmissão imobiliária, tal como na anuência, conforme julgado:

Apelação Cível n.º 0900016-61.2011.8.26.0577

Apelante: MARISA DE CASTRO RIBEIRO

Apelada: 1.º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

VOTO Nº 21.198

REGISTRO DE IMÓVEIS – Instrumento particular de contrato de promessa de venda e compra de unidade condominial a ser construída e outras avenças – Resignação não configurada – Dúvida conhecida - Comprovação do recolhimento do ITBI e anuência da credora hipotecária – Exigências descabidas – Tributo não incidente – Precedentes do STF e do STJ – Inaplicabilidade do parágrafo único do artigo 1.º da Lei n.º 8.004/1990 ao caso dos autos – Súmula n.º 308 do STJ – Dúvida improcedente – Recurso provido.

(...)

No tocante à comprovação do recolhimento do ITBI, o artigo 289 da Lei n.º 6.015/1973 dispõe que os registradores, no exercício de suas funções, devem “fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”, enquanto o artigo 30 da Lei n.º 8.935/1994, no inciso XI, arrola, entre os deveres dos notários e registradores, o de “fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar”.

Todavia, com o compromisso de venda e compra de unidade condominial a ser construída, não há transmissão de bens imóveis. Trata-se de um contrato preliminar com vocação, é verdade, para a futura transmissão. Essa sua intenção última, sua finalidade, a depender, no entanto, da outorga e registro do instrumento definitivo de venda e compra. Portanto, por si, não basta para autorizar a incidência do ITBI. Para Hugo de Brito Machado, a promessa de venda e compra esta fora do âmbito constitucional do ITBI.[1] O seu registro não importa transferência da propriedade. Ausente cláusula de arrependimento, confere ao promitente comprador um direito real aquisição, proteção contra a alienação pelo promitente vendedor, arma-o de sequela (artigo 1.418 do CC). Mas tudo isso é insuficiente para a incidência do ITBI. O ITBI, na realidade, incidirá apenas por ocasião do registro da escritura pública de venda e compra ou de eventual cessão dos direitos de aquisição. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 603.309-1/MG, no dia 18 de dezembro de 2006, relator Ministro Eros Grau, assinalou, com respaldo em outros precedentes: “a celebração de contrato de compromisso de compra e venda não gera obrigação de pagamento do ITBI.” Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º 10.650/DF, julgado em 16.06.2000, relator Ministro Francisco Peçanha Martins, decidiu: 1. O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade da Lei Civil, com o registro no cartório imobiliário. 2. A cobrança do ITBI sem obediência dessa formalidade ofende o ordenamento jurídico em vigor. 3. Recurso ordinário conhecido e provido. O mesmo entendimento foi prestigiado no Recurso Especial n.º 863.893/PR, relator Ministro Francisco Falcão, em 17.10.2006, quando acentuado: Consoante entendimento consolidado na jurisprudência desta Corte, o fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com o registro da transmissão do bem imóvel. Precedentes: AgRg no Ag nº 448.245/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 09/12/2002, REsp nº 253.364/DF, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 16/04/2001 e RMS nº 10.650/DF, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ de 04/09/2000. Logo, a exigência focalizada não se justifica, seja à luz do artigo 156, II, da CF de 1988, seja à vista da regra do artigo 1.º da Lei Complementar n.º 383, de 07 de janeiro de 2009, do Município de São José dos Campos.

(...)

Pelo exposto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Portanto, diante de tal julgado verifica-se que não incide ITBI na promessa de compra e venda, porque, segundo os Tribunais, a mera promessa não transfere o domínio do imóvel, não tendo como exigi-lo na cessão dos direitos dessa promessa, pois, da mesma forma, não há transferência do domínio do imóvel, mas apenas dos direitos relativos à negociação da aquisição.

Com a aplicação deste entendimento aos cartórios e seus atos notariais e registrais, se a comprovação do recolhimento do ITBI não é necessária para o registro da promessa de compra e venda, também não será para o da cessão dos direitos desta promessa porque, da mesma forma, não há a transferência de domínio do imóvel.

Somente no momento da escritura pública definitiva que transfira o domínio do imóvel ao real comprador é que se poderá falar em recolhimento de ITBI.

5.3. O POSICIONAMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Caminhando no mesmo sentido dos posicionamentos anteriormente mencionados, o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (BRASIL, 2016) tem decidido da seguinte forma:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA – ITBI – FATO GERADOR – INOCORRÊNCIA – CESSÃO DE DIREITOS POSSESSÓRIOS - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA. 1) "O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade da Lei Civil, com o registro no cartório imobiliário" (RMS 10.650⁄DF, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 4⁄9⁄00). 2) O fato gerador do ITBI se perfaz apenas a partir da transferência da propriedade imobiliária a qual se materializa com o devido registro no Cartório do Registro Imobiliário. Desta forma, a escritura pública de cessão de direitos possessórios, objeto de discussão, não constitui, por si só, fato gerador do tributo em análise, por não revelar a transferência da propriedade e do domínio do imóvel, mas apenas a posse. 3) Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida. Em muitos procedimentos administrativos de suscitação de dúvida o Tribunal capixaba (BRASIL, 2016) tem julgado nesse mesmo sentido: Sentença Vistos em inspeção. Da análise detida dos autos, verifica-se que assiste razão ao Suscitado. Inclusive, o Parquet, em sua manifestação às fls. 37/39, muito bem elucida a questão. Explica-se: O fato gerador do ITBI é a transmissão do domínio do imóvel (Art. 35, CTN), sendo inexigível em contrato de promessa de compra e venda por se caracterizar como um contrato preliminar e não definitivo. A transmissão, aliás, somente ocorre com o registro imobiliário da transmissão. Nesse sentido: STJ, AgRg no AResp 813620/BA, DJE 05/02/16 e AgRg no AResp 659008/RJ, DJR 14/04/15). Ante o exposto, pronuncio-me acerca da presente dúvida, suscitada pelo Sr. Oficial Registrador do 1º Ofício, esclarecendo ser possível o registro do título apresentado, sem cobrança do ITBI sobre a anuência decorrente do compromisso de compra e venda não registrado. Intimem-se. Após, arquivem-se. Paula Ambrozim de Araujo Mazzei Juíza de Direito

Tais suscitações de dúvida ainda tem sido necessárias na prática, pois o fisco municipal insiste em cobrar o ITBI na anuência e os Oficiais dos Cartórios de imóveis também ficam na dúvida de como proceder, haja vista que também atuam como fiscalizadores do recolhimento devido dos tributos e se forem omissos poderão responder pelo pagamento de eventual tributo devido e não pago.

6. CONCLUSÃO

Ante tais considerações, conclui-se que, em nenhum momento, o ato de anuência, numa escritura pública ou contrato particular, tem reflexos no campo tributário, e por isso não há que se falar em recolhimento do ITBI nessa interveniência do comprador anterior, pois o fato gerador do tributo é tão somente a transmissão do imóvel junto ao Cartório de registro de imóveis.

Não ocorrendo o fato gerador para o recolhimento do ITBI na anuência, também não ocorrerá qualquer sonegação fiscal ou a prática de crimes contra a ordem tributária.

Portanto, só se pode falar em recolhimento do ITBI para aqueles atos que efetivamente transferem o bem imóvel e seus direitos reais ao comprador, caso contrário, estará na seara de uma relação jurídica existente, tão somente no campo obrigacional (direito pessoal), tal como se dá na figura do anuente ciente, tudo em conformidade com o entendimento dos tribunais pátrios.

No entanto, recomenda-se que cada notário e registrador analise as leis municipais vigentes da localidade de cada imóvel objeto de transmissão, bem como que faça consultas ou requerimentos para que o Município manifeste expressamente seu posicionamento quanto ao recolhimento ou não do ITBI na anuência.

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SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito tributário. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2013.

* RODRIGO REIS CYRINO Tabelião de Notas do Cartório do 2º Ofício - Tabelionato de Vitória - ES Diretor do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal

Presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção Espírito Santo

Membro da Academia Notarial Brasileira - ANB Diretor do Tabelionato de Notas do Sindicato dos Notários e Registradores do Espírito Santo - SINOREG-ES Mestre em Direito Estado e Cidadania Pós Graduado em Direito Privado e Direito Processual Civil Professor de Direito Público na Faculdade Faceli Palestrante em Direito Notarial e Registral Coordenador do livro “Temas de Direito Notarial e Registral”

Autor de diversos artigos Email: tabeliao@2notasvitoria.com.br

 
 
 

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